O uso de um organismo para reduzir a população de outro organismo, visando reestabelecer o equilíbrio que já existia na natureza é uma prática adotada na agricultura há décadas. Esse conceito faz parte do manejo integrado de pragas e doenças, e tem como principais objetivos a manutenção da diversidade no agro ecossistema, a preservação de moléculas químicas, bem como o favorecimento de um sistema de produção sustentável e regenerativo.
Nos últimos anos, observamos um crescimento significativo nesse setor, que em vendas totais evoluíram cerca de 67% da safra de 2020/21 para a safra de 2021/22. Isso ocorre principalmente devido a perda de eficiência de moléculas químicas e a seleção de pragas e doenças resistentes a essas moléculas. Outros fatores que corroboraram foram o apelo global por uma agricultura que adote cada vez mais tecnologias sustentáveis em sua produção e o surgimento de desafios que não tínhamos a 40 anos atrás, como por exemplo a cigarrinha no milho.
Investimento em formulações visando maximizar as tecnologias biológicas
Nesse sentido, a estimativa de evolução do mercado de biodefensivos no Brasil salta de 2,9 bilhões, faturados em 2022, para cerca de 16 bilhões até 2030. Entre os pilares responsáveis por essa evolução está o investimento fortíssimo em pesquisa, inovação e formulação, por parte das empresas fornecedoras de tecnologias biológicas.
A formulação deve sempre visar a maximização da performance da tecnologia, para garantir maior tempo de prateleira, um armazenamento em ambiente sem refrigeração, bem como apresentar um amplo espectro de ação através do sinergismo de mais de um microrganismo e/ou em mistura com extratos vegetais. Além disso, deve possibilitar a aplicação em mistura com moléculas químicas e favorecer uma melhor diluição e rápida absorção pela planta e/ou patógeno, esses entre outros fatores irão garantir o seu sucesso no campo.
Inseticidas biológicos
Com relação ao uso de inseticidas biológicos, observamos maiores entraves para a adoção dos macrobiológicos, ou seja, aquele grupo que engloba os predadores e parasitoides, como os ácaros, insetos e nematoides, devido à dificuldade de utilização em larga escala e/ou em conjunto às tecnologias químicas. Enquanto os inseticidas microbiológicos - vírus, bactérias, protozoários e fungos, têm demonstrado maior aceitação, devido as melhorias nas formulações e eficiência.
Manejo de nematoides
Com relação ao manejo de nematoides através de inseticidas microbiológicos, podemos citar a ação de algumas bactérias do gênero Bacillus, como o B. pumilus, B. amyloliquefaciens e o B. subtilis, os quais possuem inúmeros mecanismos de ação diretos e indiretos.
Uma das ações será a produção de biofilme ao redor das raízes, o que irá atuar como uma barreira física impedindo a penetração deste patógeno.
Outra ação será a antibiose, através da produção metabólitos (zwittermicina-A e plantazolicina) prejudiciais aos nematoides.
Além disso, estas bactérias produzem algumas enzimas (quitinases, proteases e colagenases) que atuam na degradação da membrana dos ovos e até mesmo na degradação das membranas do próprio nematoide (fase juvenil), e produzem também compostos voláteis (benzyl benzoate, benzaldehyde e 2-heptanone) que irão degradar os nematoides e impedir sua reprodução.
Manejo de lagartas
Para manejar lagartas através de inseticidas microbiológicos, temos uma tecnologia através de formulações a base de Bacillus thuringiensis e Brevibacillus laterosporus, os quais possuem como fatores de virulência a produção de proteínas CRY e toxinas VIP. A depender da subespécie de B. thuringiensis será a produção de diferentes tipos de proteínas CRY.
O modo de ação se dá a partir do momento em que a lagarta ingerir a folha contaminada, em seguida, as toxinas irão se ligar aos receptores presentes no seu intestino e causar sua perfuração. Entre 18 horas a 72 horas após, poderemos observar que o inseto irá cessar sua alimentação, apresentando perda de mobilidade, paralisia e, então, morte por infecção generalizada. Na sequência, será possível verificar a germinação dos esporos dessas bactérias no corpo do inseto.
É importante salientar que a dissolução dos cristais responsáveis pelo modo de ação dessas bactérias só irá ocorrer em ambiente com pH alcalino, ou seja, em lagartas até 3º instar (8 mm a 10 mm), por isso devemos aplicar essa tecnologia no início da infestação ou associado ao químico.
(Aspecto das lagartas 72 horas após aplicação de Bacillus thuringiensis e Brevibacillus. Imagem: Luiz Henrique Barros.)
Manejo de percevejos
Em relação ao manejo de percevejos, verificamos que a Chromobacterium subtsugae, em conjunto com modos de ação da Pseudomonas chlororaphis, apresentam importante controle para esses insetos.
A ação inseticida ocorrerá principalmente devido ao composto secundário produzido pela Chromobacterium subtsugae, chamado violaceína.
Esse composto, assim como seus derivados (desoxiviolaceína e oxiviolaceína), irão impedir que as fases iniciais dos percevejos alcancem as fases adultas, onde será possível observar a redução da ovoposição e redução na fecundidade dos ovos.
Esses sintomas já poderão ser visualizados em 48 horas após a aplicação. Para adultos, verifica-se início de mortalidade quatro dias após a aplicação, podendo atingir até 100% de mortalidade em sete dias após a aplicação. E, com o intuito de acelerar a ação em adultos, utiliza-se junto desse manejo a Pseudomonas chlororaphis.
Deformidade de ovos de percevejo. A) Sem aplicação. B) Aplicação de Chromobacterium subtsugae e Pseudomonas chlororaphis (14 dias após aplicação). Foto: Maria Alice Bandeira.
Manejo de cigarrinhas
Por fim, destaco uma tecnologia utilizada no manejo de cigarrinha no milho, que é a soma da ação de duas Pseudomonas, a P. fluorescens e a P. chlororaphis.
Serão múltiplos os seus mecanismos de ação (toxinas FIT, cianeto de hidrogênio, proteases, quitinases, sideróforos) e a sua contaminação poderá ocorrer por contato, ingestão e absorção tarsal.
Após a contaminação do inseto, as enzimas proteases e quitinases irão agir causando a degradação do seu trato digestivo e a degradação do seu exoesqueleto, respectivamente. Além disso, as toxinas FIT, o cianeto de hidrogênio e os sideróforos entrarão em contato com a hemolinfa da cigarrinha, e serão responsáveis por sequestrar nutrientes e causar uma intoxicação completa do inseto, acarretando, dessa forma, uma paralisação total das funções básicas da cigarrinha, e causando a morte do inseto. Um esquema desse modo de ação pode ser visualizado abaixo.
Esquema do modo de ação de Pseudomonas fluorescens e P. chlororaphis no controle de cigarrinha (Dalbulus maidis). Fonte: Jakeline Pinheiro.
Efeito indireto: estímulo de crescimento radicular
As bactérias citadas aqui para o controle de pragas agrícolas promovem também a produção de fitormônios - como a auxina, que será responsável por estimular o maior crescimento radicular das plantas.
Em consequência disso, essa raiz terá maior acesso a água e nutrientes, e se tornará mais forte, mesmo na presença de nematoides e outros agentes estressores, além de promover maior desenvolvimento de parte aérea. Possibilitando que a planta atinja seu máximo teto produtivo com mais facilidade.
Imagem de capa: reprodução/internet